Pular para o conteúdo principal

Sebos

Cartier - Bresson



Palavras dentro das folhas amarelas mancham a visão dela.


Seu mundo é rodeado de manchas e mofo. As paredes que a revestem estão descascando e rachando. Ela pensa no que foi... E o que foi? Queime, deixe virar pó antes... É o que grita nela, era o que gritava nele?


Solidões são oceanos em nós mesmos, recobertos por marshmallow.


Seu mundo é feito de doces, tudo cheira a novo é limpo. As paredes que o revestem são branquinhas e lisas. Ele pensa no que é... E o que é? Queime, deixe virar fogueira antes... É o que cala nele, é o que cala nela?


O carro para na esquina, entre o sinal de transito e o supermercado. Ele desce para comprar cigarros, um desses baratos. Ele é barato. Do lado de fora da loja ela olha a vitrine de natal. Várias cores, neve falsa, ela puxa um cigarro, desses caros. Ela é cara.


Sem perceber ele esbarra nela, perdendo o equilíbrio ambos dançam no chão molhado pela chuva.


A respiração acelera, o carro acelera, os gemidos aceleram.


A cama ta desfeita, roupas estão pelo chão.


- de boneca de porcelana você só tem os olhos! – a voz rouca diz no arroubo.


- de quebra nozes você só tem a vontade. – a voz baixa diz no escuro.


O sinal abre, o mundo gira embaixo dos pneus, o carro continua parado. As pessoas nas ruas viraram marzipã. O vestido de noiva ficou pronto, mandaram entregar ontem no beco. O rato recebeu, roeu o véu e as pedrinhas que o enfeitavam. Teve despedida de solteiro?


- o que é que eu estou fazendo aqui? – bebadas as garrafas falam.


Várias cores, estações falsas, ele olha as vitrines com um cigarro caro na mão.


O sinal fica vermelho, um carro para na esquina, ela anda em direção ao supermercado que fica ao lado. Ela vai comprar cigarros, desses baratos. ELA é barata. Sem perceber, andando de cabeça baixa, ela esbarra nele. Perdendo o equilíbrio, algo cai no chão frio no baque surdo, como se fosse um ser vivo.


A respiração desacelera, o carro desacelera, os gemidos cessam.


A cama arrumada, roupas nos armários e gavetas.


- te dediquei. – a voz baixa diz cega.


- de forma você só tem sombras! – diz a voz rouca no susto.


Alguns presentes são vendidos como lixo.


Ela chora.


Ele ri.


O mundo dela é mofo


O dele é marshmallow


- Olá, quanto custa essa antologia?


- Três reais!


- Vou levar.


Pacote embrulhado, e na capa de Vinicius um amor morto ou esquecido.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor CU

autor desconhecido - Dar o cu dói? Dói. Então é a mesma coisa... - Ah! Mas o que isso tem haver? Na hora que esta tudo dentro e em movimento esquecesse a dor.  Será que e assim mesmo? O amor, esse sentimento medonho, contagioso, aidético é doloroso e prazeroso como dar o cu. Bem, ao menos quando se come um cu bem, a dor incomoda passa para a sensação de sentir o outro pulsando dentro da gente. Como se o coração estivesse ali, irrigando você de um algo muito maior que a dor. Mas o amor, o amor nem sempre traz isso, ele carrega uma paz e uma guerra que não conseguem uma trégua. Como conjugar e respeitar as escolhas d'outros se em nós os impérios devem se pacificar e sair de sua crise rotineira, para com pactos parcos estabelecer a paz no pós-guerra. Dar o cu é o pacto pós guerra. Deu o cu uma vez e gostou vai sempre querer dar de novo, ele vira a rendição do já rendido e do amor. Mas amar, bem, se amou uma vez gostou e doeu, bem ai não se tenta novamente.  Volto ...

QUANDO O OUTRO

Diz que a pedra, de tanto bater, fura — e o sulco fica, feito marca em couro velho, nunca mais desfeita. Pedra não é areia nem água — não se molda pedra, não se amacia gente. E sem barulho, nem alarde, feito pedra rachando fundo dentro d'água, veio o primeiro fio de estranheza — atravessando o peito, apertando, engasgando, fazendo nó que não se desfaz. O que o olho vê e o verolha não é o outro mais: é o não-ver. Será a cegueira virada do avesso? Talvez o regresso, a lembrança puxada, seja só uma correria desesperada pra aquilo que já nem se pode mais ajuntar. O que era firme amoleceu, desmilinguido, e a tua palavra, que era roca de fiar, virou bravata — precisando de disfarce pra poder ser, de ser pra abafar dor. No Buriti, um alguém, sem querer querendo, largou umas palavras. E a que mais ecoa é aquela que disse da mistura do mundo — que todas as cores remexidas fazem é lodo. Lodo de tinta que nem pinta, nem sabe mais que cor devia ter um coração. Era bom demais... aquela inocênci...

Uma bruxa mora no meu quarto

Demorei a perceber que me drenava as alegrias e apenas me engordava de palavras doces. Com seus cabelos branco neve, sua vaidade exagerada e uma irritante mania de crer que o mundo está contra ela. Assim, acabei por amá-la. Um erro poroso como sua pele, essa mesma pele que sempre salienta estar maltratada para explicar a vilania do mundo. No momento que abri a porta do quarto ela se instalou. Bem... falando desse modo, parece que a encontrei a beirada do portão implorando um prato de comida. Não foi assim! Ela sempre esteve aqui, antes mesmo do meu nascimento. E hoje, creio apenas ter nascido para lhe ser útil. Mas, não vou fazer tantas digressões, vou voltar ao “fado”: Ela mora no meu quarto. E seu prato de comida hipotético são todos os meus sentimentos. Que com voracidade ela baqueteia-se até que eu esteja esquálida de um substrato primordial chamado AMOR. Eu possuo, ela não ! Por isso, quando colérica me insulta, me espanca, me ameaça e eu, eu apenas paraliso. S...