Pular para o conteúdo principal

A Espera da Dor


Algumas histórias de amor vistas por nós nos comovem pela tragédia ou nos aprisiona pela força que muitas vezes um personagem adultera pode ter no nosso imaginário. Como é o caso dos filmes sobre Romeu e Julieta e Anna Karenina. Que dão ao espectador a máxima de acreditarmos no amor não importa como ele nos apareça.

E em Amor a Flor da Pele, a dor de amor se torna mais aguda devido ao desencontro e também ao encontro de um casal que daria certo juntos, mas são casados com outras pessoas, que aos olhos de todos nós crentes nesse sentimento não os complementam de forma alguma.

O filme é obviamente uma homenagem poética ao que significa realmente amor, sem apelar para outros aditivos que nós sabemos ser necessários fora da tela de cinema e muitas vezes dentro da tela de cinema. Dentro do conflito principal do filme a traição e a não presença dos companheiros dos protagonistas da o tom e os caminhos que poderão ser tomados ou não no desenrolar da trama.

Percebemos o quão frágil pode ser o gostar de alguém. O querer perto se perto, e longe mais perto ainda. Para as atuais formas de amor de hoje Amor a flor da Pele, demonstra a fragilidade do ser humano em doar-se a outra pessoa. Haja visto que esse filme ainda nem tem uma década de existência, e retratado em meio à repressão no Japão, todo ele se faz contemporâneo. A espera tão cadenciada por Wong, ao fazer Chow e Li-zhen aguardarem seus respectivos companheiros regressarem ao lar, as alusões feitas sobre o que eles trazem dessas viagens, as conversas entre vizinhos sobre esse dois personagens que apenas escutamos as vozes. Outra coisa que podemos destacar sabemos da presença dos cônjuges, mas não sabemos como são fisicamente. Dando ao espectador mais um elemento de descaso e de distância entre o amor nutrido e o amor doado. E tudo isso se enquadra perfeitamente na nossa relação com o outro hoje.

Nos dias de hoje não escutamos muitas vozes, nós nos comunicamos através de palavras, que não tem tanta força quanto os gestos, mas que existe a necessidade de ter. E sabemos muito bem que as palavras não são pontuadas pelas verdadeiras reações quando subjetivamente são transmitidas. Transmitir “eu te amo” em caracteres frios se tornou muito mais difícil e ao mesmo tempo falar “eu te amor” ficou banal. Pois devido a forma como os corpos se convergem nos acasos de hoje, não temos tempo de conhecer o outro e acabamos por nos acomodar no desconhecido.

Todo o filme é pontuado por essas forças de gestos, a trilha sonora é um complemento, da sensação de espera pelo outro que o filme carrega. Esperar para Wong Kar Wai é mostrar uma prova de que podemos rumar por pontos diferentes de uma mesma imagem: Vingar-se da traição ou passar por cima da vingança é um dos múltiplos caminhos que sem querer estamos prestes a cruzar na nossa busca por algo que ainda acreditamos existir. Criando a atmosfera correta para a opressão, o medo da perda e a solidão que esses personagens carregam dentro de si, tornando nossas feridas de amor muito mais pungentes e profundas do que muitas vezes queremos que elas sejam. Amor a flor da Pele desmembra e reconstrói o imenso quebra cabeça que chamamos de sentimento.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor CU

autor desconhecido - Dar o cu dói? Dói. Então é a mesma coisa... - Ah! Mas o que isso tem haver? Na hora que esta tudo dentro e em movimento esquecesse a dor.  Será que e assim mesmo? O amor, esse sentimento medonho, contagioso, aidético é doloroso e prazeroso como dar o cu. Bem, ao menos quando se come um cu bem, a dor incomoda passa para a sensação de sentir o outro pulsando dentro da gente. Como se o coração estivesse ali, irrigando você de um algo muito maior que a dor. Mas o amor, o amor nem sempre traz isso, ele carrega uma paz e uma guerra que não conseguem uma trégua. Como conjugar e respeitar as escolhas d'outros se em nós os impérios devem se pacificar e sair de sua crise rotineira, para com pactos parcos estabelecer a paz no pós-guerra. Dar o cu é o pacto pós guerra. Deu o cu uma vez e gostou vai sempre querer dar de novo, ele vira a rendição do já rendido e do amor. Mas amar, bem, se amou uma vez gostou e doeu, bem ai não se tenta novamente.  Volto ...

QUANDO O OUTRO

Diz que a pedra, de tanto bater, fura — e o sulco fica, feito marca em couro velho, nunca mais desfeita. Pedra não é areia nem água — não se molda pedra, não se amacia gente. E sem barulho, nem alarde, feito pedra rachando fundo dentro d'água, veio o primeiro fio de estranheza — atravessando o peito, apertando, engasgando, fazendo nó que não se desfaz. O que o olho vê e o verolha não é o outro mais: é o não-ver. Será a cegueira virada do avesso? Talvez o regresso, a lembrança puxada, seja só uma correria desesperada pra aquilo que já nem se pode mais ajuntar. O que era firme amoleceu, desmilinguido, e a tua palavra, que era roca de fiar, virou bravata — precisando de disfarce pra poder ser, de ser pra abafar dor. No Buriti, um alguém, sem querer querendo, largou umas palavras. E a que mais ecoa é aquela que disse da mistura do mundo — que todas as cores remexidas fazem é lodo. Lodo de tinta que nem pinta, nem sabe mais que cor devia ter um coração. Era bom demais... aquela inocênci...

.Com

Na guarida da manhã Rogo um pouco de paz Mesmo que a beira De uma solidão tardia Encontro na lagrima ainda morna O fulgor da esperança de olhar o mundo Através dos meus olhos Que outrora diziam os boêmios Eram teus olhos Mas eles sempre foram meus! E nessa pressão artística Que o lar de quem escreve Cria Vi nascer uma fértil torrente De dor e esquecimento Que em três segundos Levou embora a minha vida Arrependida De dogmas ultrapassados De chagas invisíveis Esclareci meus temores Em um gole de mim Me vi bebida com meus Próprios soluços Mas isso só fez ver que Sendo eu malandro Consigo perceber que A felicidade está Na cadencia do samba De uma alma Puramente Carioca. Copyright @ Carmo Senna, 2005