Chapeleiro, você me acha louca? - diz Alice
Minha
loucura estava estampada nas inúmeras receitas controladas que preenchem minha
bolsa. Completamente esbaforida, eu, Alice, estava no balcão da drograria
procurando o papelzinho azul que me salvaria a noite. ( O engraçado desses
momentos de pressa, é que todas as pessoas ao nosso entorno ficam um pouco mais
impacientes). Um senhor de terno e gravata à minha direita olha para seu relógio
a cada cinco segundos, e murmura: - estou atrasado, estou atrasado. Se eu olhar
de soslaio, juro que verei dentes pronunciados e as orelhas.
É
complicado escrever nessas receitas azuis, pois além de termos a piedade do
balconista, ficamos mais nervosos ao anotar nosso nome, endereço, RG e telefone.
Para que isso tudo?
Pessoas deprimidas ou com
muitas das patologias mentais criadas pelo mundo moderno, são tímidas. E sua alta sensibilidade
parece destoar do mundo concretado lá fora. Mundo de pessoas de pedra, sem
coração e se os tem, não lhe dão o valor devido.
Minha patologia, misturada a
minha criatividade fez com que sem querer procurasse, tomar um chá com um certo
chapeleiro. Não sei qual sotaque ele tem, nem se bebe, fuma, se sorri das
coisas simples, se brinca com o fato de seu oficio: o de fazer chapéus! Que portam os pensamentos de vários donos que os adotam por aí, por esse mundo a fora. Assim como ele povoa o meu, mesmo não me conhecendo, mesmo eu sendo mais uma das milhares que caem em seu encantado momento do chá.
Já havia pensado nisso? Gostaria de perguntar.
Não é apenas um adorno, é um universo de ideias, que só você tem a capacidade de criar. Um universo para o mundo particular de cada cabeça de tantos que usam seus chapéus.
Já havia pensado nisso? Gostaria de perguntar.
Não é apenas um adorno, é um universo de ideias, que só você tem a capacidade de criar. Um universo para o mundo particular de cada cabeça de tantos que usam seus chapéus.
Como seria nossa conversa? Será
que ele não se importaria com a minha loucura por livros, ou por gostar muito
de usar preto, e sentar nos cantos dos restaurantes, lanchonetes etc. Como
seria a conversa? Seria amistosa, ou seria a conversa de alguém que tem um
certo tipo de fama com uma desconhecida... Ou será que existiria conversa? Ou como
sempre, eu ficaria muda e me esconderia atrás da câmera fotográfica e faria fotos
sem que ele percebesse. Mesmo percebendo! Impressões digitais desse encontro inusitado.
Esse é meu modo, quando não sei o que falar, escrevo ou tiro fotos, no exercício de imaginar o que seria se, caso nos encontrássemos para um chá. No que seria se cada foto contivesse uma frase, palavra, murmúrio...
Um mosaico de bules, xícaras, e convidados exóticos. Ou apenas nós, sem a pompa britânica da cerimônia?
Esse é meu modo, quando não sei o que falar, escrevo ou tiro fotos, no exercício de imaginar o que seria se, caso nos encontrássemos para um chá. No que seria se cada foto contivesse uma frase, palavra, murmúrio...
Um mosaico de bules, xícaras, e convidados exóticos. Ou apenas nós, sem a pompa britânica da cerimônia?
Fecho os olhos e imagino o
barulho da máquina, as cores nos chapéus a delicadeza do trabalho, fecho os
olhos e imagino as inflexões que o corpo faz quando ele ri, ou quando pensa,
sem mesmo pensar o que irá sair dali, daquele material, para onde irá aquele chapéu.
- A senhora não preencheu a
receita! – diz o balconista
Acordo do meu devaneio momentâneo
que pode ter durado horas ou apenas segundos. Escuto uma voz suave ao meu ouvido, com notas de
alegria:
- Louca, louquinha! Mas vou te contar um segredo: as melhores pessoas são.
– diz o Chapeleiro.
Saio
da drogaria e a cidade me engole outra vez, siga o coelho branco, siga o coelho
branco minha mente reproduz as falas, e no meio de todo cinza, nasce um sorriso
tímido em meus lábios. E a promessa de voltar a nos encontrar, em um futuro, para um chá.
(Para um chapeleiro sem CEP que anda
trazendo cor ao dia-a-dia, sem magia das pessoas)
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