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CITY OF BLINDEYES

 É só um som surdo... e SugarBoy continua sorrindo...

Uma chuva fina e intermitente molha a rua, onde vários homens e mulheres passam com seus guarda chuvas pretos, seus cigarros e angústias. Sentado a porta de um edifício de luxo está um menino de aparentemente seis anos de idade, ele carrega consigo uma pequena caixa de engraxe.
É hora do rush e ouvimos sua voz, distinta entre os barulhos da metrópole.
- Quer que engraxe, senhor? E essa pergunta é repetida à exaustão, com algumas pequenas modificações.
Um homem branco de terno bem cortado, com um cigarro na boca para ao lado de SugarBoy, que prontamente pergunta:
- Quer que engraxe seus sapatos, senhor?
O homem avalia o menino com um olhar de desprezo.
- Isso vai me custar quanto, nigger?
- cinquenta centavos de dólar, senhor. – responde o menino.
Já que saíra para fumar, e até o fim daquele cigarro, ele poderia dispensar para engraxar os sapatos. O homem estende o pé esquerdo e o menino começa a engraxar, sem dar por perceber que propositalmente seu cliente deixa as cinzas de seu cigarro caírem em sua cabeça.
- Tem que ficar tão negro quanto você! – diz o homem com um sorriso malicioso nos lábios.
- Ficará senhor! Ficará como uma noite sem estrelas. – diz SugarBoy sem mudar a modulação resignada da voz.
Linda frase vinda de um ser tão pequeno. “Ficará como uma noite se estrelas”, poeticamente o menino transveste o momento trivial em algo diferente... SugarBoy parece ser muito jovem para tão amplo vocabulário, mas se engana quem pensa em seu tamanho e esquece de seu olhar...
Já é tarde da noite, quando ele volta pra casa, todo o dinheiro que conquistou hoje no centro da cidade, deram apenas para comprar o “remédio” da mãe e um pequeno pão doce. Ele entra em casa, e tudo está igual. A casa parece sempre imersa na escuridão, não importa a hora do dia. Estendida e no sofá e sempre embriagada esta sua mãe, que acorda de um sono alcóolico para a realidade suja de seu entorno, que tem de tudo... garrafas vazias, guimbas de cigarro, cheiro ocre.
- é você meu littleSugar? é você meu bebê?
SugarBoy se aproxima da mãe, que o olha, sem realmente focá-lo.
- trouxe meu remédio, meu littleboy? trouxe? estou me sentindo tão febril sem ele.
SugarBoy sem nada a falar, apenas estende uma garrafa embrulhada em papel de pão. Sua mãe segura firme o embrulho e dá um pequeno sorriso para ninguém, pois ela não vê seu filho, ela não o vê.
SugarBoy não existe mais!
Seguindo para seu quarto, percebemos uma grande mudança no ambiente, o quarto de SugarBoy, do tamanho de um armário onde se guarda produtos de limpeza é extremamente arrumado e impessoal, uma diminuta cama perto de uma janela de madeira fechada, uma pequena cômoda de duas gavetas. Seria, um quarto simples no lusco-fusco que a luz do corredor faz, seria...
Ele fecha a porta do quarto e no completo breu só sua respiração é algo que indica presença ali. Ele acende a luz e vemos uma parede branca recoberta por frases em vermelho e preto. Ele se abaixa e pega um pequeno pedaço de carvão, e onde ainda tem espaço em branco escreve:
“Tem que ficar tão negro quanto você!” – a frase dita por seu último cliente do dia. Ela é mais uma na coleção de frases que adornam a parede, algumas são agressivas e entre elas se vê de vermelho, outras escritas com batom: “meu bebê”, “meu litlleSugar”, “trouxe...”
SugarBoy esfrega o rosto com as mãos sujas de carvão. Ele tira a roupa que esta, abre a primeira gaveta e tira uma limpa, boa, dessas que usaria nas missas de domingo, se ele frequentasse a missa aos domingos. Ele a veste, senta na cama e tira de baixo do travesseiro um pequeno revolver prateado, ele confere o tambor da arma. Apenas uma bala.
SugarBoy apaga às luzes e espera, não há como precisar o tempo de espera, que pode ter sido de minutos ou horas, até que escuta o baque surdo do vidro sobre o tapete da sala. Ele sai descalças, como um gato, sem fazer barulho. Sua mãe dorme profundamente, sem fazer barulho ele ganha a rua, e anda, anda pela noite adentro, guiado pela luz fantasmagórica do revolver em suas mãos, que enquanto anda parece mais uma lanterna de tão brilhante que está o metal banhado da luz da lua.
Ele se detém, de repente, e olha para um poste, sorrindo. SugarBoy se recosta na madeira, e a luz artificial foca estranhamente apenas aquele pequeno espaço. Ele aponta a arma para a têmpora...

                             É apenas um som surdo... e SugarBoy continua sorrindo...



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