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TAKE AWAY



  



É um dia comum daqueles que não tem data específica no calendário. Eu levanto as 5am, cuido das coisas de casa, da miúda uso da porta de vidro da cozinha como quadro de aviso. Um dado notório, que descreve a minha personalidade é usar preto. E saio para o trabalho!
O cheiro de peixe, gordura, feijão carne, às vozes e outros condimentos é o que distinguem o som externo do meu ambiente interno e me informa que cheguei. Logo na entrada dá-se os primeiros encontros: o do cão com olhar de gato que usa óculos e nunca, nunca saberemos o que pensa. Ele é o que chega mais cedo. Já de seguida esta ela movendo-se de um lado ao outro seja com as batatas, seja com o lombo, seja em lavar as fritadeiras ou falar uma piada jocosa. É cedo e logo colado a ele, cão, vemos a libelinha. Pequena, enérgica quase nunca cansada de trabalhar. Assim como eu, a formiga, trabalhamos no mesmo setor, esses são aqueles que não nasceram com o cu para a lua. 
Para completar os da parte da manhã dona Pombinha e seu enamorado Toiro. Nessa hora a calmaria se mantém e há até um conviva com café. Mas o trabalho nunca, nunca para, sobem coisas, descem coisas, lavam e levam coisas é uma ementa muito boa. E as vezes apetece-me pegar a senhora Cisne, que é a dona, e tem um modo especial de nos desejar bom dia. Ela canta a canção da Fazendinha do mundo Bita, o que faz dela fofa, e acabamos por respeitá-la através da gentileza. Entretanto há momentos que eu, a formiga tenho vontade de dizer com a minha voz inaudível e aos berros: - Pare, de ordens!!! Estamos caindo como formigas no açucareiro! Com cada um fazendo o que bem quer e acrescendo ao final da ordem a palavra CHEFE.
Como perceberam, não sou das formigas que conseguem ser notadas.
Somos de áreas diferentes, acho que seria um pouco dura com alguém tão doce...
Entretanto temos alguns bichos que vale a pena notas:
A ursa estrangeira que nem por força da fé parará de beber vodca. E se todos fizermos uma intervenção?) Também não! Ela negaria até o inegável que é a Ucrânia esta em guerra com Rússia.
Temos também o casal simbiótico de iguanas, se observar bem eles parecem de perfil ter um único olhar hipnótico para nós.... Dá-me um bocadinho de medo, mas depois você se acostuma com o passado glorioso dos BMW e a vida abastada quem já tiveram e não já não tem. Em resumo suas funções são: lavar loiças e cozinhar... dias de desgraça e gloria, chegam para todos.
Para terminar nossa fauna temos o símio pintor, sempre penso que de seus arrozes a purês de batatas sairão uma noite estrelada de Van Gogh. Tenho por hábito olhar bem sua fisionomia de perfil, para não ver se lhe falta uma orelha. Ou se chega um dia com um bigode estilo Dali, feito de sopa.
Esse é o resumo do grupo da cozinha, ainda me falta o pessoal do atendimento e o ornitorrinco que desestabiliza tudo...
As borboletas do atendimento não sei muito o que falar delas, ora são afáveis, ora são esquivas, olham para você de cima, talvez por terem asas e talvez por não saber o jeito certo de provocar furacões. Por fim temos ele que é e não é um animal, mas para uma leiga como eu coloco-o no saco dos bichos. As borboletas borboleteiam. Fazem as saladas, limpam a entrada, deixam cuvetes e cuvetes para os da copa limpar. E assim, aquela organização da manhã foi para o brejo. Quando essa gente chega a algazarra estas completa falam muito alto tudo está atrasado. 
Dona Pombinha não se cansa de dizer das panelas, andamos em alvoroço e eu a desviar de ser esmagada. Faço o que posso e sei, aprendi muito naquela algazarra, minha cabeça parece um balão que infla de tanta dor, me sinto lenta comprada ao que era antes das dores, uma coisa mais triste.
Fora as borboletas, como enunciei logo acima chega o que cá classifico como um ornitorrinco, não sei se é realmente um, já que sua irmã é um cisne, seu outro um símio. O ambiente muda quando ele chega, e definitivamente creio ou dá na cafeína e nos energético ou simplesmente é despótico. Gosta de tudo organizado e diz com toda a força: “é o básico da hotelaria”. Sei que as enguias se riem dele, sei que todos os outros dizem: 
- coitado! Não era assim, era uma pessoa tão calma.
O que me cansa são os gritos, são as ordens disparatada, já disse inúmeras vezes para se fazer tantas coisas ao mesmo tempo, só sendo um polvo.
E como transformar uma formiga migrante num polvo? 
Será que existe milagre?
Já é hora de regressar, minha cabeça doi mais que nunca, minha roupa cheira a peixe, carne, fritura, cebolas, e parece que todo esse mix de odores entranham nos meus ossos. Me sinto a arrastar o pé, a sentir a dor da cabeça, a pensar no quanto para muitas pessoas algo é simples e para outras, como eu uma pobre formiga, não o é.
Coloco a farda para lavar não há amaciador e detergente que pareça me desfazer desse cheiro, isso me irrita me coloca sempre com a bílis em polvorosa... Há algum tempo segundo a teoria dos humores tínhamos de equilibrar esses líquidos corpóreos. De modo muito, mais muito resumido, porque Galeno desenvolveu muito mais para sintetizar a teoria dos humores, ela nos dá o balanço das doenças e da compleição temperamental humana) breve nota inteligente para queles que gostam de um google nessas aspas neste meu texto parvo. 
Isso bem pormenorizado daria um tratado, mas não desponho de tempo. O único ensinamento que extraio é que o mal secreto que expõe o homem são suas fúrias. 
E o texto de uma formiga não é sobre fúrias e humores é sobre tachos, cebolas, panadados e humores, humores de outras pessoas não os meus.
Já são 7:15am ou 7:30am depende das condições do transito, já no trabalho pois, se trabalha e um nível mais ordenado, quase como um relógio suíço. Você o proletariado que necessitada de dinheiro que não dá para muito, seja zeloso e cioso, pois foi transfigurado em um tipo de animal que observa não ferra, não quer brigar, não gosta de ser ameaçado e se o é tenta e se tenta morder, mesmo que seja esse seu fim, o mundo mostra que lhe arrancou os dentes e o tratamento custa 4000€. Então deixa-te esta tratado pode ser domesticado, indiferente que o olhem como selvagem. 
O dia decorre naquele pedaço de ÁFRICA na Europa e o espanto é que os da senzala as vezes vestem-se de senhores e vivem num tempo outro, tempo de falar do passado sem perceber que ofendem quem esta ali.... Nada justifica o aceleramento do ornitorrinco ele não é o coelho da Alice, tempo de serem eles colonizadores quando falam d’outros estrangeiros com o nome de onde ele advém. esquecem-se que são colonizados e não colonizadores, ele está ali para montar a “barraca”, mas que “barraca”? esta ali para dizer que um funcionário com enxaqueca fortíssima que até caiu das escadas não despacha o serviço?
E pior de dias assim não é perceber a pessoa boa que ele é perceber que tempos mais desgastes para além das picuinhas das equipes, faltas de contratos, sobre carregamento de funções etc., fazem muitos ali ficarem pelo Cisne, ficam pela gentiliza. Mas quanto vale muitas vezes sacrificar sua saúde por um outro, ouvir calada, para não se ofender ou revidar, são pequenas formas de adoecer.

o ornitorrinco diz: - nada esta bom! Porra, porra...
o cisne já cansado diz: até amanhã.
os outros legumes, peixes e utensílios: cuidado, se faltar podem arrumar outro para pôr no seu lugar.
No meu final do dia para além do meu cansaço, da falta de esperança, sentada no autocarro o choro vem fácil, porque a dor não passa... há muitos espinhos a perfurar e um novo dia acorrer.

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