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fragmento para Bom Jardim...


“(...) sabes, eu vou morrer. Com todo o carinho que me tens devolvo-te agora. ”

Assim, pelo fim que começo a notar a mosca grávida do tempo, mas não cheia de suas liberdades e de seu mosquear. Ela está presa, presa naquele olhar anguloso, felino e predatório, que se transforma em várias garras e dentes, no seu olhar prismado. Comecei a me pôr no lugar do seu gato, tentando apreender o cheiro da chuva que deixou o tempo abafado, no seu 18 de janeiro de 2017.

Por onde será que andou esse envelope, ou o olhar contemplativo do autor da carta. Eu sei que o meu persegue a mosca, a mosca descrita no papel, o gato que a percebe e a casa de plástico, onde o rapaz não me descreve como é, pois não há algo impactante para se revelar do espaço.

O impactante é ele! Estou enferrujada com as letras, escrever virou algo doloroso e dolorido, os ex-amores me engessaram, pois descubro que tudo que amo acaba sendo de um impacto na vida do outro, tiro de mim os tijolos para construir a paz de outrem, me deixando sem teto de mim mesma. Será o gato a morte? Sabe que todos vamos morrer? Mas o que é realmente a morte? ...

Observo as Moscas.

Morte pra mim só se configura quando nem o nome do morto é mais pronunciado, que o mesmo pode andar por ai, mas nenhum coração lembrará do seu bem e do seu mal feito. Então, meu caro, sua afirmativa cai por terra. Sei que vais morrer, mas não morrerás em mim...

Deitei-me os olhos no livro que veio junto, não conhecia, mas o título e a primeira frase que minha ansiedade avassaladora por devorar o nada, correu para saciar-se: “Para andar basta colocar um pé atrás do outro”. – Rakushisha. Para morrer basta deixar o tempo chegar, a cada inspirar e expirar do oxigênio em nossos pulmões. Basta se dar ao alheio, ou descobrir-se apaixonado outra vez por outro alguém, mas sempre pelo mesmo amor; o nosso. Nesse aspecto, volto a perseguir a mosca, viro outra vez o gato, que me distrai da coisa chamada vida. Ele nos ensina a paciência, a insistência e o simples ato de nos divertir... 

Perseguimos sempre as moscas prenhes de tempo? Ou somos nós, elas gordas, perseguidas pelo predador astuto tiquetaqueando o ritmo? (vou ter que me debruçar mais, e reconstituir). A casa, os plásticos, o gato, as moscas, as crianças frívolas a enervar o dia abafado da pós chuva, para lhe escrever com precisão... viver o dia que escreveu a carta, que chegou hoje as minhas mãos...

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