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Maricotinha (aos pedaços parte II)








Olá, como vai? Recebi sua carta, ela é enorme e uma verdadeira declaração de amor. Notei que fez questão de começar e terminar do mesmo modo, isso me deixou curiosa. Por que escolheu assim? E por que a primeira parte me parece menos concreta que a segunda? Não sei se um dia chegará a me responder,  ou fará outras cartas. Mas, gostei da coragem, ela é algo que me ajuda a manter-me de pé. Sim, sua coragem e o timbre de voz que encontro em cada linha e como desenrola cada assunto, me mantém de pé.

Sempre gostei de escrever cartas, as redes sociais nunca me impediram de ter esse contato intimo, entre a letra e o papel, entre eu e o outro que fica do lado de lá da tela, a me ler em caracteres frios, mais cheios de sentimento. Resolvi  ler sua carta agora, por um saudosismo ou masoquismo, (creio que seja uma mistura de ambos). Nunca realmente recebi uma carta como sua. Tão crua e nua! Todas as que tenho, guardado no meu armário bagunçado (isso me deixa apreensiva, meu armário bagunçado, não gosto das coisas bagunçadas), estão lá. Cartas de pessoas que se modificaram ao longo do tempo, perderam a pessoalidade, a intimidade. E hoje, são rostos impessoais que posso ignorar na rua. 

Não ignoraria o teu, muito porque metade dessa força da natureza que trás no olhar, é o que quero para mim. Essa realização pacifica serena.

Não tenho isso, acho que nunca tive leveza. Tenho sempre responsabilidades, tarefas, prazos... Mas, descanso para mim, não! Há muito não tenho. Parei de me olhar no espelho, parei de ver espontaneidade nas pessoas e no dia. É como ver tudo com uma perspectiva monocromática. E quando algo brilha nesse todo preto e branco, é um eco de uma menina de vermelho a correr em frente a minha cegueira. Citei a menina de vermelho por dois motivos: o motivo um é o Vinicius de Moraes, o motivo dois é o filme nazista a Lista de Schindler. (Adoro cinema!) Concordaria comigo que em ambos os casos, a uma necessidade de manter a esperança, a fé??? Sei que adora o poetinha! Você já esteve presente em outro momento, junto com ele em minha vida. Tempos sempre tumultuados. Vivo no ciclo do Orixá da transformação, ora bonança e arco-íris, n’outro lama e rastejar no chão. Mas, não se espante! Sempre com dignidade. Apenas, não queria que fossem tão bruscas essas mudanças... Que ao menos como a cobra eu descamasse para nascer outra.

E você tem como mãe a rainha dos raios e tempestades, compreendo porque pisa no chão descalço e abarca o mundo desse modo. Só de ouvi-la falar em Santa Barbara, me arrepio, pela forma como sua voz materializa concretamente nossas misturas religiosas, nossa mestiçagem. E resume em fim nossa real raiz.

Sim, concordo que a momentos que precisamos viver e mandar o mundo as favas, ou xingar a piranha que embaralha nossa vida. No entanto, o que é mais digno é o seu perdão. Apesar de sofrendo, chorando, ferida você consegue se sobrepor e escrever, o que muitos acham ridículo. Sua carta, não é ridícula, não para mim. Nossos sentimentos podem até ser ridículos, não fomos cunhados para sermos excepcionais. Bestas, trôpegos, arrogantes, felizes e infelizes na mesma medida. Isso sim, conseguimos, ser. Talvez, você seja dessas pessoas raras que não precisam de um pretexto para ser como bem quiser, e entenda melhor essas nossas falhas.

Pois bem...

Li inteira, mais de uma vez as duas páginas de palavras, que são mais que palavras quando sua voz chega aos meus ouvidos de assalto. Queria eu poder fazer o que fez, e não me embaralhar com as rimas e dores. Não iria garanto me sentir solitária agora. Sua carta de amor, e há amor... me embala. Não existe melhor resposta as minhas perguntas não respondidas, perguntas que nunca mais serão revolvidas e morrerão não garganta, com a brutalidade de todo querer. Do que as suas...


Obrigada,
Beijos.

(uma tentativa de resposta a "Cartas de Amor" de Maria Bethânia)

Comentários

  1. Ah as cartas de amor.... essas palavras que são arrancadas lá do fundo, fazem um bem! Arrancam também, em certa medida, os sentimentos guardados.

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