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Wasabi faz tudo ficar melhor

Henri Cartier-Bresson

É assim que Ana acorda. De calcinha e uma blusa folgada nem parece que esta em pleno inverno. O quarto é pequeno sem calefação, ela esta sentada no chão, com a mini geladeira aberta. Na parede, as suas costas têm um pôster gigante do Bob Marley. Seu café da manhã como sempre é um pote de sorvete e Wasabi. Mergulhada mais uma vez em suas convulsões literárias, ao seu redor esta parte dos países que deflagraram a última guerra mundial. Todos lidos e engordurados, com a mistura que esta na sua boca. Seus olhos estão vazios outra vez. Ela dorme no chão, um dos livros servindo como travesseiro, seu corpo esta grudento de suor, comida, guimbas de cigarro. Com suas cinzas deixando a pele com um colorido diferente. Há essa hora o frio é menos intenso. E o gato entra pela janela, que esta meio aberta expondo o mundo. Ele lambe o rosto de Ana, ela vai despertando aos poucos, pensando que é algum ser mítico ou apenas um homem, que a lambe seminua. No seu delírio sexual, os olhos focalizam a imagem, pouco a pouco. E o corpo inerte há tanto tempo, reclama da posição que sua dona o deixa desajeitado. Ela afaga a cabeça de GATO. Como no livro do Capote, ou no filme, Ana glamuriza a vida como Holly. Mas ela não é uma personagem, não é atriz da era de ouro do cinema. É apenas uma menina encoberta por uma mistura de Wasabi e sorvete, de dentes tortos, que ela considera uma estética picassiana, meio gorda meio magra um modelo descartado por Botero. Que resolveu sair de casa, pois sua vida era tóxica lá. Ana levanta rápido de mais, fazendo GATO se assustar e pular para a janela de onde entrou. Tudo esta fora do lugar, garrafas e garrafas de água vazias, se estocam como uma erva daninha, ou melhor, uma floresta tropical plastificada em vários rótulos descartáveis. Em cima da geladeirinha tem uma dessas plantas-garrafa que esta cheia até a metade, e o mais engraçado é que ela também esta em cima da bíblia sagrada, esse milagre serve de subsidio para a sua higiene pessoal rápida. Ela esta atrasada. Mas diferentemente de Alice, ela não tem um coelho branco e um belo vestido azul. O que lhe sobra é uma calça jeans rasgada e suja e uma camiseta, que não é sua. Preta, desbotada e larga, com o nome RAMONES que quase não mais se vê. Devido aos buracos que o tempo impôs ao tecido. Ana pega as moedas dentro de um copo e sai do apartamento. No terraço do prédio, da pra ouvir as batidas na porta da sua casa provisória. É o sindico, o aluguel ta atrasado de novo e como sempre que pode fugir dele, Ana vai para o terraço, sua outra casa provisória. Abastecida, por vinho, cigarros e... 
 - Droga! Esqueci... 
E a voz saindo de trás da caixa d’água completa a sentença. 
 - Wasabi! 
 -PUTA QUE PARIU! Você me deu um susto, cara! Mas quem diabos é você? 
 -Meu gato, sempre some. E quando volta, ele traz no focinho uma mistura de Wasabi e sorvete. Creio que o motivo é você! 
 Ana esfrega as mãos nas calças e aperta a mão do desconhecido quando ele se aproxima mais dela. Suas unhas estão pintadas de preto e sujas, algumas já ruídas. Ela cheira a oriente e ocidente. Algo entre o pré-sexo e o pós-sexo sem o gozo. Ela coloca a mão no bolso, encerrando a conversa, ou melhor, não começando nenhuma. Mas o estranho continua oferecendo o tubinho verde, como se estivesse ereto ao ver a fêmea certa para perpetuar a espécie. Ana ri da situação, mas um riso sem inflexão de felicidade. 
 - E então, Ana, é o oriente de Xerxes ou de Cristo? É o Wasabi e poder descer comigo, pela escada de segurança sem encarar o sindico ou ficar aqui com seus Lights ouvindo o maravilhoso som do esmurrar da porta!? Ela pega o Wasabi. Esse é o sinal para continuar seguindo “o coelho branco”

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